Decorridos quase dez anos sobre a conclusão do estágio e o subsequente abandono da profissão, tive recentemente de voltar a agarrar nos livros e reaprender o que já estava esquecido, designadamente, o direito da Família.
Para o efeito, e à falta de melhor, fui reler o respectivo manual do famosíssimo Professor Antunes Varela, pelo qual estudei esta matéria em 1995 (por sugestão do regente da cadeira da altura).
Recordava vagamente que aquele ilustre jurista tinha um entendimento bastante peculiar sobre vários aspectos da profunda reforma operada em 1977 àquela área do direito. Contudo, já não me lembrava do exacto conteúdo e alcance da sua análise. Após ter refrescado a memória, aqui ficam alguns excertos no mínimo polémicos que me voltaram a irritar profundamente.
”Da tal sociedade machista com que quase pejorativamente se designava a sociedade conjugal anterior ao Código Civil de 1966, passou-se assim para a sociedade assexuada ou para o casal unisexo, a que os novos legisladores pretendem reduzir a família, com algumas das soluções pretensamente mais avançadas do direito subsequente à Constituição de 1976”.
"Por um lado, cedendo à dissolução de costumes que o rescaldo da guerra fomentou em certas camadas da população, as leis alargaram de tal modo o elenco das causas de divórcio, que, tal como sucedia no antigo direito romano, o casamento se pode hoje dissolver, logo que cessa a afeição de um dos cônjuges pelo outro.
Por outro lado, a emancipação económica da mulher e o peso crescente do eleitorado feminino na vida política dos países ocidentais conduziram à proclamação do princípio, aliás justo e equitativo, em certo aspecto, da igualdade de direitos entre os sexos".
”Proclamando a igualdade de direitos e obrigações dos cônjuges, eliminou-se a ideia de chefia da sociedade conjugal, atribuída por direito próprio ao marido e, para conseguir tal objectivo, abandonou-se ao mesmo tempo a concepção da entrega à mulher do chamado governo doméstico, bem como da direcção moral do lar.”
”O casamento passou assim a ser como que alérgico a qualquer distribuição de funções, ainda que só a título supletivo, entre os nubentes”.
Sobre os pressupostos da aplicação do regime imperativo da separação de bens, escreve ainda o citado autor: “Na sua primitiva versão, o Código Civil estabelecera limites de idade diferentes para o homem (sessenta anos) e para a mulher (cinquenta anos), à semelhança do que se faz no direito brasileiro, que serviu nesse ponto de inspiração à lei portuguesa.
A discriminação não tinha na sua raiz nenhum preconceito de superioridade de um sobre o outro sexo. Baseava-se apenas na consideração, de ordem biológica e psicológica, de que a mulher, assim como atinge em regra mais cedo que o homem a fase da puberdade, também mais depressa começa e envelhecer, tornando-se mais facilmente vítima dos caçadores de dotes ou do que pitorescamente se chama no Brasil o golpe do baú.
A reforma de 77, na sua caça obcecada às discriminações de sexo, eliminou a diferença entre os dois limites, sem atender criteriosamente à sua origem”.