Sobre o mesmo tema mas em sentido oposto e com mais nível, uma outra mulher analisa a questão da seguinte forma:
"O Presidente Cavaco, que andou pelo País a pugnar pela inclusão, com especial referência à violência de género (geralmente, et pour cause, denominada de doméstica), recusou promulgar a chamada lei da paridade, mais conhecida pela "das quotas".
O principal motivo, diz o argumentário do veto, é a "compressão desproporcionada" de "outros valores de relevo político e constitucional". Outros valores que não o da "promoção da igualdade", que o PR, bem entendido, considera "fundamental" - mas não tão fundamental que possa comprimir seja o que for, nomeadamente o sacrossanto direito de cada partido decidir das suas listas.
Não façamos confusões: Cavaco acha que é "obrigação do legislador remover as discriminações negativas em razão do sexo no acesso a cargos políticos". O que não aceita é que essa remoção se faça através da imposição de sanções que implicam a não aceitação de listas que incumpram a proporção de um mínimo de 33% de candidatos de cada sexo nos lugares elegíveis. Trata-se de um regime "sancionador excessivo e desproporcionado". É até, diz o PR, uma "interferência exorbitante" na "liberdade e no pluralismo". Uma liberdade e um pluralismo que, bem entendido, se consubstanciaram, nesta matéria, nas tais "discriminações negativas" que o Presidente diz querer eliminadas. Mas não desta maneira. Não, frisa, se essa eliminação pode "impedir certos partidos" que "não possam cumprir com os rígidos critérios do diploma", ou, note-se, "não os aceitem", de "concorrer a eleições".
Houve, de facto, partidos que não aceitaram os critérios: o PSD, o PCP e o PP votaram contra. A bem dizer, à excepção do BE, todos os partidos (incluindo o PS, que propôs a lei) têm até agora demonstrado uma tenaz resistência à equidade de género nas suas listas. Só que não é de equidade que trata a lei: ela estabelece a inclusão de um terço de mulheres nas listas. Tanto barulho por causa de um terço, dir-se-á.
Errado, diz o veto: um terço é um perigo. Comprime tudo. Limita muito. Sobretudo no interior desertificado e envelhecido (grande preocupação do PR, como é sabido), onde, ao contrário do que se passa no resto o país, deve - pelos vistos - haver mais homens que mulheres, já que, teme-se, se tornará "problemático recrutar candidatos dentro dos estritos limites da representação de género impostos pelo diploma". Mas os problemas da lei não se limitam ao interior do País. Na verdade, o problema é de fundo. "Forçar" a inclusão de um terço de mulheres é muito "súbito". "Carece de sentido em termos de necessidade".
De facto, qual é o sentido de acabar assim de repente, e à bruta, com uma compressão de séculos? Até pode prejudicar as mulheres, coitadas, aquele ror de espaço nas listas para encher. Felizmente, o Presidente está atento: "Mecanismos sancionatórios e proibicionistas" como o da lei vetada "concedem" às mulheres "que assim acedam a cargos públicos um inadmissível estatuto de menoridade". Suspeitar-se-á de que foram lá postas pelos chefões do partido, por simpatia, bairrismo ou até competência, ao contrário do que sucede com os homens. Já estamos a imaginar: passa uma deputada e toda a gente comenta: "Olha, lá vai mais uma. Que vergonha. O que é que ela fez para ir parar a São Bento?" Coisa assustadora, que como se sabe não se passa nos nossos dias.
Decididamente é preciso, como conclui o Presidente, atingir a paridade de género "por meios mais razoáveis". Não é razoável exigir que séculos de discriminação negativa sejam compensados por uma década ou duas de discriminação positiva. Razoável é esperar, como diz Leonor Beleza, que há anos defende as quotas (e o professor Cavaco), que quem está - os homens - dê o lugar. Por cortesia, por caridade. Por obrigação, à chicotada, é que nem pensar. Coitadinhos, não estão habituados a esse género de violência. É que todas as compressões são más, mas umas são muito mais perigosas que as outras".
Texto de Fernanda Câncio publicado no DN - 03.06.06