A primeira refeição a vapor
Salmão com bróculos
The laws of chance, strange as it seems,
Take us exactly where we most likely need to be
[David Byrne]
Há uns anos atrás fiquei surpreendida com esta revelação: Vital Moreira não é um apelido. Vital é mesmo o nome próprio do Professor Doutor*. Quem me contou acrescentou ainda que havia muita gente, como eu, convencida que se tratava apenas do apelido, chegando a inventar-lhe um nome quando lhe remetiam correspondência. Dava um toque mais pessoal dirigir a carta ao Senhor Professor Doutor António Vital Moreira.
Fui por aí espalhando a novidade até que me deparei com o interlocutor que demonstrou maior dificuldade em aceitar que Vital Moreira não fosse um apelido:
Eu disse: Sabias que o Vital Moreira é Vital de nome próprio?
Ele respondeu: O quê, chama-se Vital Vital Moreira?
Todos os habitantes do bairro de Campolide, tirando eu, têm, pelo menos, um animal em casa. A maioria tem cães e/ou gatos, mas também há quem tenha um pombal e quem tenha galos ou galinhas. Acontece que os animais de Campolide sofrem. Não sei com o quê, mas sofrem muitíssimo. Os cães não ladram, gemem; os galos cacarejam como se estivessem a ser asfixiados por mãos humanas. Os pombos tentam o suicídio por atropelamento. Até agora tenho conseguido escapar a passar-lhes por cima, com travagens bruscas e guinadas de volante. Já tive que sair do carro para enxotar um pombo! porque nem a aproximação do carro nem a buzina resultaram.
Os logradouros de Campolide estão cheios de árvores, laranjeiras, limoeiros e outras que não consigo identificar. Há uma árvore da borracha num quintal próximo do meu terraço. Esta é a minha vista para as traseiras: copas de árvores. O som é o dos pardais.
E hoje, enquanto tomava o pequeno-almoço, olhava para os pombos a debicar e os pardais à bulha e aos encontrões às coisas, lembrei-me disto que escrevi há uns 5 anos. Continua tudo igual, do lado de fora da janela. Do lado de dentro está tudo muito melhor.
Na quarta-feira passada, o D. chegou a casa com uma lagarta.
Eu mal olhei para ela. Aqueles insectos mutantes causam-me um nojo tão irracional quanto indisfarçável.
Ele ficou espantado e depois desiludido com a minha reacção. "Oh mãe, tu não gostas de bichinhos da seda? Porquê? São tão queridos. Esta é uma fêmea e chama-se Kika."
Embora contrariada, aceitei que o bicho passasse a noite na cozinha, bem fechado numa caixa de cartão e na condição de ser rapidamente expatriado para casa do pai do D.
De manhã, o miúdo saltou da cama para ir cumprimentar o seu novo animal de estimação e constatou, muito aflito, que ele já não tinha comida. "Mãe! É preciso arranjar-lhe folhas de amoreira."
"Folhas de amoreira?! Mas onde é que se encontram e como são? Eu não faço a mínima ideia." O meu filho não acreditou na minha ignorância e confiou-me, à força, aquela missão quase impossível.
Deixei-o na escola, fui trabalhar e não me voltei a lembrar da minha espinhosa tarefa senão ao final da tarde, a poucos metros de casa.
Fiquei roxa. E agora? Olhei à volta, vi uma árvore qualquer e arranquei-lhe um ramito, num gesto de esperança estúpida.
Quando me viu com um par de folhas na mão, o D. ficou todo contente. Ele tinha a certeza que eram de amoreira e foi dá-las ao bicho que, obviamente, não fez grande festa ao cheirar o jantar.
E eu já só pensava no drama do dia seguinte quando ele fosse encontrar a minhoca morta por inanição. Mas não. Surpreendentemente, ela conseguiu sobreviver o tempo suficiente para, desde ontem, se encontrar a salvo num outro lar mais hospitaleiro que o meu.
Antes da viagem, cada um de nós coloriu o quarto de Arles à sua vontade (obviamente que o dele ficou muito mais giro e original que o meu).
Em Amesterdão, pudemos admirar o original. O miúdo ficou tão encantado que o avô não resistiu e ofereceu-lhe a versão puzzle.E agora, já regressados, andamos a redescobrir a obra, peça a peça (são mil !).
De todos os que estão expostos no museu, este foi o quadro que mais me impressionou.
Apaixonei-me por este pintor no oitavo ano. Eu que nunca me lembro de nada, recordo-me perfeitamente de uma visita guiada ao museu d'Orsay e da minha querida professora de francês que a promoveu.
O miúdo foi um fantástico companheiro de viagem. O meu pai e a mulher esforçaram-se mas não conseguiram estar à altura da sua curiosidade, do seu sorriso e da sua capacidade de adaptação.
Partilhei com ele a minha paixão pelos pintores holandeses e expliquei-lhe quem foi Anne Frank. Ele esteve sempre muito atento e com vontade de conhecer as minhas personagens e locais de eleição.
Mas, verdade seja dita, o que ele mais gostou em Amesterdão foi a tarde passada no zoo (o aquário vale muito a pena) e, sobretudo, a volta na roda gigante temporariamente instalada na praça de Dam.