Serendipity

The laws of chance, strange as it seems,
Take us exactly where we most likely need to be
[David Byrne]

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

O Vale da Paixão

“Inquietava-os que a sobrinha não precisasse de luz para subir ao quarto, que subisse as escadas e se deitasse sem acender um fósforo. A própria Maria Ema se inquietava. João Dias e Inácio Dias, que ainda não tinham saído para a América, também regressavam à mesa para comentarem tê-la encontrado no corredor, às escuras, esgueirando-se entre as pernas das floreiras, sem medo, como se fosse uma pessoa velha, e ela ainda nem era pessoa. Também Maria Ema receava que a sobrinha de Walter não tivesse medo, e por isso, acendia-lhe a luz. Obrigava-a a ficar de luz acesa, a ver extinguir-se o petróleo junto da sua cabeça, para poder descer e dizer ao marido, ao sogro, aos cunhados e às cunhadas que tudo estava normal. Ela mesma acendia a luz para que a criança não tivesse medo do medo que não tinha, e Custódio Dias perguntava, preparando o fogo – “ A nossa filha não ficou com medo?” Maria Ema curvava-se sobre a mesa, mergulhava a cara nos objectos que cosia. Sempre cosia – “Cada um tem o medo que pode ter. Não é?”

Lídia Jorge

2 Comments:

Blogger AR said...

Este é um dos livros da minha vida e vão passando os anos e as leituras e continua a ser isso mesmo: uma descoberta constante de pormenores.
Obrigada por me teres feito recordar tão boas e intensas palavras.

1:31 da tarde  
Blogger Meg said...

De nada.
Fui espreitar o teu blogue. É muito cuidado. Gostei. E da música que estava a tocar também.

10:45 da tarde  

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