Carta aberta
”Todos os pais desiludem os filhos e todos os filhos desiludem os pais”. Quando há dias, ouvi esta frase, fiquei muito surpreendida, ou melhor, incomodada com o seu conteúdo e depois de me obrigar a pensar, percebi porquê.
É que eu passei a vida a personificar todas as virtudes na minha mãe e sempre achei que a fórmula dela era a única para sermos verdadeiramente alguém. Não lhe conseguia ver defeitos, fraquezas, ou apenas aspectos com os quais eu não me identificasse. Ela era basicamente o meu herói e eu sonhava um dia conseguir ser igual àquela super mulher, duvidando ao mesmo tempo ser alguma vez capaz de alcançar aquele estatuto divino.
Pelo meio do caminho, e por razões óbvias, não me permiti humanizá-la. Tinha estruturado a minha maneira de ser com base naquela visão endeusada e, por isso, não lhe podia retirar o pedestal sob pena de cair também. Achava eu.
Só há bem pouco tempo, é que comecei a perceber e a aceitar que existem diversas soluções para gerirmos as nossas vidas. As dos nossos pais, as nossas e as das outras pessoas.
Após este primeiro passo, dei rapidamente outro, muito mais agressivo e radical e que consistiu em olhar para a minha mãe com outros olhos, mais independentes e objectivos e, depois, lidar com as diferenças de perspectiva.
Este processo foi (e ainda é) doloroso não só para quem olha mas também para quem é visto. As duas partes pressentem o perigo, ficam assustadas com o eventual desfecho fracturante daquele percurso.
Tenho de reconhecer que ao explorar este novo caminho, não só me desiludi com alguns aspectos desta nova imagem mais real da minha mãe, como ainda tive de aceitar o facto de também a ter de a desapontar para assumir quem sou. Mas, ao mesmo tempo, cheguei a uma conclusão que me causou um enorme alívio: eu não deixei de gostar menos dela por causa disso.
Apercebi-me que o que nos une não é tanto a identidade de feitios mas os laços de profundo afecto que construímos, desenvolvemos e solidificámos ao longo destes fabulosos trinta e três anos de convívio.
1 Comments:
É muito complicado, mas ao mesmo tempo fascinante. É muito dificil desmistificar uma mãe, perceber que é tão humana quanto nós e que surpreendentemente tambem ela gosta de aprender connosco. Mas acho tão importante esta "desilusão", diria mesmo essencial para o crescimento individual, a ruptura e reestrutura de valores...
só assim aprendemos a não pedir tanto dos outros e a realizar que não é possivel que alguem nos preencha a 100%...
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