Serendipity

The laws of chance, strange as it seems,
Take us exactly where we most likely need to be
[David Byrne]

sábado, 2 de maio de 2009

A última conversa de Agostinho da Silva

"LM - Mas assinar a declaração era mesmo obrigatório?

AS - Sim, sim... Mas a dizer um não categórico só houve duas respostas, a do Fernando Pessoa e a minha. O Fernando Pessoa respondeu inteligentemente, argumentando que haver uma lei contra as sociedades secretas era absurdo, porque quando duas se entendem, imediatamente se forma uma sociedade secreta. Um gesto, uma palavra, um silêncio, um olhar, são sinais para o outro. Claro que eu não dei uma resposta inteligente como deu o Fernando Pessoa, eu apenas testemunhei a meu favor, no fundo foi isso."

"(...) Assim, uma vez que Eanes a vetou, quando mais tarde surgiu outra ocasião para me readmitirem, descobriram que eu até tinha feito um doutoramento, e então no Ministério perguntaram-me: "O senhor é doutorado?" E eu respondi: "Sim, mas já não me lembro do nome da tese..."

"(...) Repare que no amor o sujeito pode ser activo, mas a paixão é passiva, vem da palavra passio (passivo), não é verdade? Exactamente, passividade. Ora, o amor é activo, portanto, criador; a paixão já não, dado que o ser foi dominado por alguma coisa. Quando se diz: estou apaixonado por isto ou por aquilo, no fundo também podemos dizer, se quisermos, estou dominado por isto ou por aquilo. A pessoa que se apaixona por outra tem tendência a obedecer-lhe..."

"Os próprios Gregos também se sentiram presos no tempo e no espaço. O Camões, inclusivamente, ensinou, na Ilha dos Amores, que a pessoa só está presa no tempo e no espaço quando não é criador, e nós sabemos isso através da nossa própria experiência: quando estamos muito entusiasmados com uma coisa, dizemos muitas vezes: olha como o tempo passou!? Já nem sabia que estava aqui com vocês. Pronto! E porquê? Porque a Ilha dos Amores foi criada pela deusa da criatividade. foi ela que fez aquilo e que depois veio falar aos portugueses. Falar de quê? falar de Futuro!"

"LM - Lê algum semanário em especial?

AS - Não. É muito raro ler semanários.

LM - Portanto, isso quer dizer que, no fundo, o seu jornal preferido é mesmo o Público?

AS - É o Público, mas sobretudo é por causa do Calvin."

"LM - Como encara a morte?

AS - Com serenidade... Se não a encararmos como um fantasma, se não a esperarmos com a entristecida resignação dos Gregos, se a virmos apenas como uma forma entre as formas, então ela é natural. Mas eu nunca morri, portanto não sei o que isso é."