You’ve Got Dragons*
Um dia, no primeiro ano do liceu, a minha caneta deixou de escrever e a professora de Ciências da Natureza emprestou-me a dela, uma caneta Parker, para eu fazer o teste. Saí da aula sem me lembrar de devolver a caneta e perdi-a. A professora lembrou-me da caneta na semana seguinte e eu menti, dizendo que a tinha deixado em casa do meu pai e que só voltaria lá daí a quinze dias.
- Costumava manter conversas imaginárias com o “ente” que governava a minha vida. Vamos tratá-lo por “ele”. "Ele" sabia tudo o que eu fazia, por mais escondido que fosse e castigava-me quando eu me portava mal. O castigo fazia-se sentir em qualquer coisa má que me acontecia pouco tempo depois da minha maldade. Também negociava com ele: “eu não faço esta maldade que estava prestes a fazer, mas tens de me garantir que aquela coisa boa vai mesmo acontecer”. Se me apercebia de uma crise à beira de me atingir “lembrava-o” que não me tinha portado mal e, por isso, não se justificava ser castigada. -
Quando perdi a caneta, fartei-me de falar com “ele”. Que não era justo, eu não me tinha portado mal. Passei quinze dias desesperada à espera de um milagre, falando com “ele”, expondo o meu caso que merecia absolvição. Então, no tal fim-de-semana em que era suposto eu trazer a caneta de volta, encontrei uma caneta igualzinha no chão da garagem do meu pai. Quase chorei. Lembro-me de a certa altura me ter questionado se aquela não seria, de facto, a mesma caneta; pus a hipótese de a ter realmente perdido na garagem do meu pai e ela ter ficado ali quinze dias à espera que eu a encontrasse. Mas “ele” entendeu por bem que eu não questionasse a sua existência e o seu poder sobre a minha vida. Quando finalmente entreguei a caneta à professora, ela começou a escrever e disse: “ah, mas esta caneta tinha tinta azul e agora escreve a preto...?”; eu encolhi os ombros e respondi: “se calhar o meu pai mudou a carga...”. [de um email]
*«Vamos Falar de Dragões?» é um livro da autoria de Kathryn Cave e Nick Maland sobre como tratar dos medos. Tal como «O Pássaro da Alma», vem disfarçado de livro infantil. Recomenda-se a sua leitura a todos os adultos.
1 Comments:
é o teu novo livro de cabeceira? ;)
gostei muito do que li.
bj
inês
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