A viagem (2)
Quando deu conta que estava perdida, encostou-se à parede e deixou cair umas lágrimas. Foi abordada por dois transeuntes e violou as instruções expressas de não falar com desconhecidos. Os desconhecidos eram alemães, a língua estrangeira que melhor dominava. Levaram-na a uma esquadra de polícia e, enquanto ajudava italianos a entenderem-se com alemães, disseram-lhe que já estava “achada”.
[Eu tinha muita experiência de estar perdida. Desde que comecei a andar que bastava sair à rua para me perder. Na praia atavam-me ao chapéu-de-sol para evitar que desaparecesse ao mínimo virar de costas. Era banal perder-me em feiras e mercados, e em qualquer outro lado. Quando me apercebia que não tinha ninguém conhecido por perto dirigia-me à primeira pessoa que passasse e informava “perdi-me dos meus pais” (dos meus tios, dos meus avós, etc.), e lá ia pela mão enquanto decorriam os esforços para proporcionar o reencontro. Chegava a ter um certo gosto na aventura quando metia cabine de som e ouvia o meu nome a ecoar pelo recinto. Naquelas horas passadas no banco da esquadra não me ocorreu, pelo menos conscientemente, que a minha irmã pudesse estar a passar um mau bocado.]
Em Florença a minha irmã perdeu-se. Melhor dizendo, os adultos perderam-na. Afligiram-me muito com a sua aflição, não me diziam directamente o que se passava, apenas exibiam as suas caras consternadas. Eu estava preocupadíssima mas não sabia exactamente como o quê. Não podia falar para não quebrar a gravidade do momento com potenciais disparates. Sentaram-me num banco da esquadra durante horas intermináveis (não foram mais do que duas) e, por fim, comunicaram-me: “já a encontraram”. O ar grave mantinha-se e eu demorei algum tempo a perceber que aquilo eram as boas noticias. A emoção maior deu-se quando, em seguida, fomos levados para outra esquadra num carro da polícia com sirene a funcionar e tudo. Durante o tempo em que fiquei sozinha no banco da esquadra lembro-me de ter pensado “estou para ver o que é que a avó vai dizer disto...”.
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