Gente maluca
Algures na pré-adolescência diagnostiquei-me dois problemas do foro neurológico: autismo e esquizofrenia. O autismo foi-me transmitido por um telefilme que retratava um “caso da vida real” e que passava repetidamente, ao qual, logo revelando sinais da maleita, eu repetidamente assistia. Só retenho a imagem do miúdo a rodar um prato e a abanar as mãos, e a cena em que ele pede sumo de laranja. Na mesma altura, tomei conhecimento da esquizofrenia através de um filme fabuloso com a Joanne Woodward, também baseado numa história verídica. A perturbação da personalidade múltipla foi, então, a explicação óbvia para a minha “intensa vida interior”. Deve haver uma fase em que contraímos as doenças ou os poderes dos protagonistas cinematográficos, e eu nunca achei que conseguisse voar.
Mais tarde comecei a perceber que de autista e de esquizofrénico todos temos um pouco (de génio nem por isso). Diariamente repetimos os procedimentos do dia anterior. Vestimos cada peça de roupa pela ordem pré-determinada. Vamos ao mesmo café, almoçamos nos mesmos sítios (três ou quatro diferentes, “para variar”). Fazemos sempre o mesmo percurso para chegar aos nossos locais de referência, passo por passo. Se os nossos trajectos ficassem marcados no chão, hoje em dia já seguiríamos por um carreiro fundo de tão gasto. A isto acrescentámos o iPod, the ultimate act of self-absorption. E todos, os que somos automobilistas, temos a nossa própria zona de estacionamento em cada centro comercial frequentado, ou não?
Quanto à esquizofrenia, temos o grilo falante, o elefante falante, a fuinha falante (um predador oportunista), o burro falante; estão a ver a ideia. Os bichos, além de por vezes tomarem conta de nós (no bom e no mau sentido), reúnem-se com regularidade, organizando Prós & Contras sobre vários temas inseridos na magna disciplina intitulada “Esta Criatura Não Tem Remédio”. Os debates são interrompidos, de forma abrupta, quando a “criança interior” decide que tudo se resolve com meio quilo de chocolate ou um ovo kinder (esqueçam) ou uma playstation ou uma série em dvd. E que, se não resolver, sempre entretém.
Depois há pessoas que não são nada disto. Gente maluca, claro.
8 Comments:
Esqueceste-te de nós, bloguistas: o ritual de lançar um post, de ler os nossos blogues favoritos, numa tentativa suplementar de partilha e busca de atenção. Só temos defeitos :-)
Brilhante!!
Adorei!
Venho muitas vezes ao v. blog e gostava que soubessem que o acho muito interessante.
Sofia
Este post é tão, tão bom, tão bom...
é tão bom ser maluco...
Adorei!
Lindo!
Gostei!...
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