Sapatos
À atenção da Charlotte e dizendo de minha justiça:
Tenho uma relação difícil com os sapatos. Sei o quanto podem fazer por mim e conheço o sofrimento com que se fazem pagar pelas suas benesses.
Os sapatos verdadeiramente deslumbrantes têm que magoar ou que ser impróprios para andar. Têm que me dificultar a vida, provocando autênticos ataques de ansiedade perante o mais curto percurso pedestre. Se ficam muito bem mas são fáceis de usar, já não lhes acho tanta graça. Perco-lhes o respeito. Por fim, os sapatos ideais, lindos, fabulosos, são necessariamente aqueles que eu não tenho. Já os vi nos pés de alguém ou numa revista, mas não os encontro à venda e, no fundo, acho que não estou à altura de os usar.
Os meus pés, pernas, coluna e equilíbrio, sofrem muito com as minhas escolhas irresponsáveis. Lembro-me sempre do António Variações, “quando a cabeça não tem juízo / o corpo é que paga”. Mas logo concluo, “deixa-o pagar, deixa-o pagar / se tu estás a gostar”.
Tudo isto me levaria a fazer aqui um paralelismo que vou evitar. Fica apenas uma observação final para dizer que considero a palavra “sapatos” muito pobre para designar o artefacto em causa. Melhora um bocadinho se dissermos no singular - “um sapato lindíssimo” – mas é óbvio que estaremos a cair num brasileirismo (nada contra, pelo contrário).
[Seguem-se dois episódios a título exemplificativo.]
1 Comments:
Confesso que cheguei aos 3o anos sem usar uns sapatos com uma salto digno desse nome. Quebrei a tradição, num casamento, e apesar da tortura inicial gostei da sensação de ver o mundo cá de cima. Mas daí ao uso diário, ainda vão ser mais uns anos...:)
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