Serendipity

The laws of chance, strange as it seems,
Take us exactly where we most likely need to be
[David Byrne]

segunda-feira, 18 de outubro de 2004

Urgências

Fomos à estreia e gostámos muito. Vale mesmo a pena.

O «Problemas de agenda» parecia sincronizado com a minha agenda das últimas semanas e nisso apanhou-me desprevenida. Suscitou-me alguns sorrisos (gostei da embirração especial com a palavra projecto, até porque isto das «Urgências» terá sido, com certeza, apelidado de «projecto» vezes sem conta), mas, mais do que isso, comoveu-me. Muito simples, quase utópico (mas não é); uma espécie de wish list em que os desejos me pareceram os mais acertados.

Muito divertido foi o «Sexo e nada de sexo». Os actores estiveram com um ritmo e uma locução excelentes, até naquelas partes em que debitavam diálogo e pensamentos ao mesmo tempo. Resultou tudo compreensível e obteve-se o efeito pretendido. Gostei muito do texto: irónico mas nem sempre, o que é bom; e sempre certeiro, o que é melhor ainda.

Não foi possível, para mim, digerir o «Azul a cores» enquanto peça de 15 minutos e no meio das outras seis. É denso e violento, e por isso reclama maior disponibilidade do espectador. Como não estava preparada, assisti «à porta».Ou seja, lembro-me de tudo o que vi e ouvi, mas ao primeiro golpe comecei a distanciar-me e mesmo hoje ainda não fiz a digestão.

O «Ctrl+alt+del» aproveita um tema muito bom: a memória. A hipótese de nos livrarmos das memórias, neste caso vendendo-as (sem que o preço seja um elemento relevante; salvo erro, a memória da letra do «com um brilhozinho nos olhos» era dada, tal era o incómodo que causava ao personagem), pode ser apetecível. Mas, por alguma razão, a autora citou a tal frase que eu reproduzi: quanto mais ele as queria vender mais se agarrava a elas, com pormenorizações, emoções e um humor amargo [e eu a rir-me, de nervoso, com a possibilidade de matar a mãe com qualquer outra doença da preferência do comprador da memória].

Vi o «Genebra» (e vá-se lá saber porque é que trato as mini-peças no masculino) como se já o conhecesse porque, de certa maneira, já o conhecia. Ainda assim surpreendeu-me o twist do personagem masculino (com um óptimo desempenho) naquilo que foi a parte mais dura deste diálogo, quase sempre muito contido. Como é óbvio não consigo reproduzir com exactidão, mas ele, às tantas, perante as suspeitas dela, começa a dizer que sim senhora, o sinal estava vermelho e ia a abrir (como sempre) e viu-o e sabia que ele era o actual namorado dela e acelerou e, zás, passou-lhe por cima com todo o gosto. [bem feita, pensei eu, e com que convicção] O tema da aplicabilidade da convenção de Genebra nas relações pessoais veio à conversa de forma recorrente ao longo do fim-de-semana.

É como já disse: vale mesmo a pena.