Flowers
Ao longo do liceu foram bastante comuns as minhas amizades por proximidade e, não variando, no nono ano tornei-me amiga de um vizinho de carteira. Este rapaz tinha o mesmo tema preferido que eu: música. Só que eu era Wham, Cyndi Lauper, Bryan Adams, Tina Turner e ele era Velvet Underground, Smiths, Joy Division e, acima de tudo, Doors. Aliás, ele idolatrava o Jim Morisson. Tinha o cabelo comprido com o mesmo corte e usava um casaco de cabedal preto, muito justo, para compor o personagem. Nenhum de nós conseguiu pôr o outro a ouvir fosse o que fosse fora das respectivas preferências, mas pelo menos conseguíamos conversar.
Certo dia ele referiu-se aos Rolling Stones. Eu disse-lhe que só conhecia um disco do qual gostava imenso, e falei-lhe no “Flowers”. Ficou muito entusiasmado porque, segundo disse, o disco não tinha sido editado cá. Finalmente, mostrou um enorme interesse por música que eu considerava minha.
No dia seguinte trouxe-me uma cassete. Eu fiz daquela gravação a minha grande prioridade. Entreguei-lhe o produto acabado, esperei que se desse a audição e lá perguntei, ansiosa, o que é que ele tinha achado do disco. Resposta dele, algo indisposto: “Tu não sabes que há uma parte inicial da fita das cassetes que não grava?!”.
Fiquei impressionada: isto é que era gostar de música a sério. Fizeram-lhe falta os acordes iniciais da primeira música. A integridade do álbum estava comprometida. Eu era uma tonta que não percebia nada de nada. Nem para gravar uma cassete. O aspecto "pobre e mal-agradecido" da questão passou-me ao lado.
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