Terra Sonâmbula
Nunca tinha lido um livro do Mia Couto. Foi preciso fazer uma viagem a um país lusófono para me começar a interessar por autores como Pepetela, José Águalusa, Chico Buarque e agora por este escritor moçambicano que tem uma habilidade invulgar para brincar com o vocabulário português. O que mais me cativou não foi a história rica em espíritos, fantasmas e maldições, foi sobretudo o sentido inesperado dado às palavras da nossa língua. Aqui ficam uns excertos de que gostei particularmente:
"Desde então, a situação só piorou pois, consoante o secretário do administrador, a população não se comporta civilmente na presença da fome. Muita gente insistia agora em voltar ao tal navio pois lá sobrava comida que daria para salvar filhos, mães e uma africandade de parentes."
"Saíram rumo à missão. Foi o padre quem veio à porta, seu corpo cobrindo a luz que vinha do interior. Quando Virgínia entregou Farida ao padre a menina entendeu que a sua presença já havia sido peviamente falada. Virgínia lhe deu as mãos, os dedos das duas se ameijoaram. Os corpos se despediam sem competência para o adeus."
"- Te falta é uma mulher, disse o velho. Estiveste a ler sobre essa mulher, a tal de Farida. Devia ser bonita, a gaja. As mulheres, em instante, ficaram tema. Mulheres é bom quando não há amor, disse. Porque o amor é esquivadiço. A gente lhe monta casa, ele nasce no quintal. Vale a pena uma puta, miúdo. Gastamos o bolso, não o peito. Numa puta não pomos nunca o coração".
1 Comments:
Mia Couto é de facto um escrito excepcional. Já o leio há alguns anos e de vez em quando vou espreitar uma das suas crónicas no livro "cronicando" que aconselho vivamente. Aliás aconselho todos os livros...
Neste do cronicando há uma crónica sobre o Jardim Zoológico, que se bem me lembro ele acha ser mais ilógico do que lógico...
E brinca com os nomes dos animais dizendo que não percebe porque o Esquilo, um animal tão pequeno e leve não se chama antes o Esgrama...
:-)
Sandera
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